Nas últimas quatro semanas não senti vontade de escrever, este será o último post dedicado à quarentena.
Vou continuar em teletrabalho até Setembro, e julgo sentir que já não preciso destas reflexões semanais.
Não porque não me façam bem, mas mais porque não tenho muitas intenções de intensificar isto, aqui.
O desconfinamento tem trazido algumas questões e discussões transversais que me têm custado a viver:
1. Se é um alívio para muitas famílias poderem – ao menos – verem-se, com todos os cuidados e mais alguns, parece que outras pessoas acham que o desconfinamento é voltar à vida normal.
2. Tivemos todos conhecimento de mais uma morte às mãos do abuso de força policial, mas desta vez podemos testemunhar o assassinato na íntegra através de um vídeo no Youtube, ainda assim há quem ache desproporcional a atenção dada ao caso.
3. Se para muitos o exercício ao direito de se manifestarem – por uma causa maior – teve o seu quê de luta interior quanto aos riscos do ajuntamento em tempos de Covid-19, para outros foi fácil julgar a iniciativa qualificando mais de 7 mil pessoas de ignorantes, irresponsáveis ou descuidadas.
4. Voltamos a ter espectáculos, com as devidas adaptações à realidade que vivemos, o que permitiu que alguns trabalhadores deste sector – desde técnicos a artistas, muitos com rendimentos zero durante o confinamento – pudessem ter esperança em novos inícios. Mas opinião pública achou esta iniciativa ‘’descabida’’, irresponsavel e julgou‘’coitadinhos dos estádios de futebol vazios’’.
5. Vi um grupo de sem abrigo ser despejados de modo desumano de um prédio por ocupação ilegal, apenas a 20 metros da minha porta, por seguranças privados, por volta das 5.42h da manhã. Eu própria acordei assustada, com os estrondos que se ouviram na rua. Vi a polícia a tomar uma posição, contra os que a chamaram, privilegiando o direitos privados de propriedade contra o despejo ilegal praticado por seguranças privados.
Tenho convicções de direita, e crenças ideológicas de esquerda. E em momento algum a minha hipotética definição política baralha aquilo que acho certo.
Em conversa recente com mais duas pessoas, descrevi que, para mim, o posicionamento político, depende, na maioria dos casos daquilo que para cada um é a prioridade de valores ou crenças.
Isto, quando estamos a falar de escolhas ou opções pensadas, quem escolhe a cor política como eu escolhi ser do Benfica (herança parental) não cabe nesta coisa da ‘’escolha de posicionamento político’’, já nasce sócio.
Pessoalmente, interessa-me viver numa sociedade igualitária em oportunidades, equitativa quanto à satisfação de necessidades, em que os esforços de cada um sejam valorizados e recompensados, mas que destes haja um contributo para os que não têm as mesmas ferramentas.
Acredito que somos todos seres cheio de valor, e que merecemos uma sociedade equitativa, onde se valorizem respostas na medida de todos e de cada um.
Acredito em lucros, mas também acredito em valor humano, e este último valerá sempre mais, para mim.
Sem querer alongar-me muito, sinto que devo colocar no ‘’papel’’ as seguintes ideias:
a) Eu emocionei-me com o vídeo da morte do George Floyd, como me emocionei com a notícia da morte do Giovani Rodrigues. Chorei em ambos.
b) Fui ao Coliseu no dia 01 de Junho de 2020, e não, não me acho irresponsável. Aliás, inicialmente comprei os bilhetes, principalmente, para ajudar um sector que consumo, do sufoco que tem vivido os últimos meses.
c) Manifestei-me, pela primeira vez em 31 anos, contra o racismo. Em Portugal, e no Mundo. Não, não fui por ser ‘’moda’’, deliberadamente escolhi manifestar-me, tomando todas as precauções possíveis, pois acredito solenemente que determinadas acções têm mais impacto nos momentos certos. 99% das pessoas estava de máscara.
d) Voltei ao Coliseu, no dia 06 de Junho de 2020.
e) Não considero que a Associação que ajudava os sem abrigo em Arroios devesse ser despejada, nos moldes em que o despejo – ilegal – operou.
f) Não sou contra a polícia, sou contra a incoerência, e o abuso de força. Tenho pena dos que não entendem a diferença entre estas duas ideias.
Não escrevo isto por razão nenhuma, a não ser, um dia destes tenho de lembrar-me de todo o impacto que isto teve em mim. E de como foi viver tudo isto.
Tenho crença que toda esta experiência que vivemos, e continuamos a viver, poderá abrir-nos a mente para olharmos melhor os que nos rodeia, e precisam de ajuda. Esta ajuda não precisa de ser dada de modo material, a mobilização de esforços, por vezes, é quanto baste.
Confesso que sou das que acreditava que o impacto da grande crise pandêmica que vivemos pudesse abrir mentalidades, tornar-nos mais atentos ao próximo. Mas, infelizmente não tenho testemunhado isso.
Acredito, ainda, que vamos a tempo de ter humildade para ver e agir consoante aquilo que achamos certo. Que a força, o poder económico ou a ausência dele nunca deixem potencial humano para trás.
Fiquem a salvo do Covid, e da ignorância.
Até já.